A Tomada de Decisão Apoiada é um instituto que surgiu com a entrada em vigor da Lei 13.146/2015, que inseriu no Código Civil, o art. 1.743-A, o qual dispõe:
Art. 1.783-A. A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade.
Tal instituto é uma inovação em nosso ordenamento, que veio concretizar o artigo 12.3, do Decreto nº 6.949/09, o qual promulgou Convenção das Nações Unidas sobre os direitos das pessoas com deficiência, que impõe:
“Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para prover o acesso de pessoas com deficiência ao apoio que necessitarem no exercício de sua capacidade legal”.
Os princípios da Convenção das Nações Unidas são:
a) O respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas;
b) A não-discriminação;
c) A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade;
d) O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade;
e) A igualdade de oportunidades;
f) A acessibilidade;
g) A igualdade entre o homem e a mulher;
h) O respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade.
Seguindo tal principiologia, a Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), tem como objetivo assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social, conforme se destaca em seu art. 1º, em total atendimento ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Art. 1º É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.
O art. 2º do Estatuto conceitua a pessoa com deficiência.
Art. 2º: a pessoa com deficiência é aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Diante de tal definição, temos que a deficiência é a limitação física, sensorial ou intelectual de uma pessoa.
Deficiência física é a deficiência relativa ao sistema locomotor de nosso organismo. A sensorial é ligada, por exemplo, à audição, à fala, à visão, onde o sujeito apresenta certa dificuldade que lhe traz uma série de impedimentos em sua vida cotidiana. E a deficiência mental, é aquela que afeta as faculdades mentais.
De acordo com a nova legislação, nem toda pessoa com deficiência é incapaz. Houve a desvinculação das ideias de deficiência e incapacidade. Ou seja, o deficiente é, em regra, plenamente capaz e, diante de tal realidade, a lei previu a adoção de procedimentos de auxílio para a prática de atos civis das pessoas com deficiência, dentre elas, a tomada de decisão apoiada.
É o caso, por exemplo, dos deficientes visuais, ou dos portadores de obesidade mórbida. Essas pessoas não são incapazes, mas não conseguem, por si só, exercer todos os atos da vida civil por suas deficiências.
Nesta seara, dispõe o art. 6º, da lei 13.146/2015:
Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:
I – casar-se e constituir união estável;
II – exercer direitos sexuais e reprodutivos;
III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;
IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;
V – exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e
VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
Assim, diante dessa desvinculação entre deficiência e incapacidade, houve uma verdadeira reestruturação no sistema de capacidade civil esculpido nos arts. 3º e 4º do Código Civil, em que passou a ser totalmente incapaz apenas os menores de 16 anos, e relativamente incapazes os maiores de 16 e menores de 18 anos, os ébrios habituais e viciados em tóxico, as pessoas que por causa transitória ou permanente, não possam exprimir a sua vontade e os pródigos.
Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos;
Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:
I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;
IV – os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.
Foi suprimido do texto os excepcionais sem desenvolvimento mental completo e as com discernimento reduzido, passando a serem plenamente capazes, de acordo com o art. 84, do Estatuto:
Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.
A par dessas modificações o que o Estatuto buscou foi tratar a pessoa com deficiência de forma isonômica, tornando-a plenamente capaz legalmente, frente ao Princípio da Dignidade da pessoa humana.
Para tal tratamento, alguns mecanismos foram adotados para o auxílio das pessoas com deficiência, como a tomada de decisão apoiada.
Conceito
Tomada de Decisão Apoiada está conceituada no art. 1.783-A, Código Civil, conforme já anteriormente mencionado.
É um procedimento judicial, onde o apoiado (pessoa com deficiência com discernimento mínimo) nomeia dois apoiadores, pessoas de as confiança para que o auxilie nas suas tomadas de decisões.
Importante salientar que os apoiadores não irão exercer nenhum ato em nome da pessoa apoiada, mas apenas lhe prestar informações e suporte necessário para que ela possa exercer todos os atos da vida civil já que é legalmente capaz.
Procedimento
O procedimento da tomada de decisão apoiada está disposto nos parágrafos do art. 1783-A do Código Civil.
A tomada de decisão apoiada é procedimento de jurisdição voluntária, com a participação do apoiado e apoiadores, do Ministério Público e ocorrência de perícia por equipe multidisciplinar, a fim de averiguar o grau de deficiência do apoiado, a idoneidade dos apoiadores e os termos e limites em que os apoiadores exercerão as suas funções.
O termo da tomada de decisão apoiada de ser apresentado pelo apoiado e apoiadores quando da elaboração do pedido e deve constar os limites e funções que caberão aos apoiadores, assim como tempo de duração.
O apoiado pode estabelecer no termo questões patrimoniais e/ou existenciais, podendo o apoio ser de ordem variada desde questões negociais até rotinas domésticas, dependendo do caso específico e tipo de deficiência.
Os negócios realizados mediante a tomada de decisão apoiada terão validade sobre terceiros (art. 1783-A, parágrafo 4º), observados os limites estipulados no termo.
O parágrafo 5º traz a faculdade da parte num ato negocial exigir a assinatura dos apoiadores. Cabe ressaltar que tal exigência não é elemento essencial para a formação do negócio jurídico. É apenas uma faculdade.
Se determinado negócio jurídico vier a trazer risco ou prejuízo, e havendo divergência de opiniões entre apoiado e apoiadores, o juiz, ouvido o Ministério Público, decidirá a questão (parágrafo 6º, art. 1.783, CPC).
Se o apoiador for negligente em relação ao apoio que se comprometeu, ou se pressionar a pessoa apoiada ou ainda não cumprir com as obrigações assumidas, a pessoa com deficiência ou qualquer outra poderá apresentar denuncia mediante o Ministério Público.
A denúncia se comprovando, o juiz destituirá o apoiador e nomeará outro, considerando a indicação do apoiado (parágrafos 7ºe 8º).
A qualquer tempo a pessoa apoiada pode solicitar o término do acordo assinado (parágrafo 9º), assim como o apoiador pode solicitar a sua exclusão, devendo, antes, se manifestar perante o juiz (parágrafo 10).
O parágrafo 11 traz a obrigatoriedade do apoiador prestar contas de acordo com as disposições da curatela.
No entanto, entendo que a interpretação de tal dispositivo seja no sentido de justificação dos atos e prol do apoiado, e não propriamente prestação de contas como exigido na curatela, uma vez que o apoiado é tido como plenamente capaz, podendo exercer a prestação de contas por si próprio, a não ser que devidamente especificado no termo assinado.
Curatela – restrição dos efeitos
De acordo com a Lei 13.146/2015 a curatela passou a ser medida extraordinária, restrita a apenas às pessoas com deficiência ou doença mental grave e, assim, por incapacidade transitória ou permanente que afete a sua manifestação de vontade.
De acordo com o art. 85, do Estatuto da Pessoa com deficiência, a curatela afeta tão somente os atos de natureza negociais e patrimoniais, excluindo os existenciais.
Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.
§ 1º A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.§ 2º A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações.
Assim, não se admite mais que qualquer pessoa com deficiência intelectual ou mental possa estar sujeita à curatela. Somente estará sujeita aquela que sequer consegue exprimir a sua vontade.
Em consequência, o instituto da interdição sofreu restrição. Ou seja, com a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência, a interdição completa, bem como a figura do curador com poderes ilimitados não existem mais.
Pablo Stolze , explica:
Na medida em que o Estatuto é expresso ao afirmar que a curatela é extraordinária e restrita a atos de conteúdo patrimonial ou econômico, desaparece a figura da “interdição completa “e do”curador todo-poderoso e com poderes indefinidos, gerais e ilimitados”. Mas, por óbvio, o procedimento de interdição (ou de curatela) continuará existindo, ainda que em uma nova perspectiva, limitada aos atos de conteúdo econômico ou patrimonial, como bem acentuou Rodrigo da Cunha Pereira. É o fim, portanto, não do” procedimento de interdição”, mas sim, do standard tradicional da interdição, em virtude do fenômeno da “flexibilização da curatela”, anunciado por Célia Barbosa Abreu. Vale dizer, a curatela estará mais “personalizada”, ajustada à efetiva necessidade daquele que se pretende proteger“.
Tomada de Decisão Apoiada e seus reflexos no Direito de Família
Há que se concluir que a introdução da Lei 13.146/2015 trouxe impactos significativos em vários ramos do direito, tanto sob o prisma processual, como material.
Pode-se dizer, segundo Nelson Rosenvald, que houve uma gradação tripartite de intervenção na autonomia:
a) pessoas sem deficiência terão capacidade plena;
b) pessoas com deficiência se servirão da tomada de decisão apoiada, a fim de que exerçam a sua capacidade de exercício em condição de igualdade com os demais;
c) pessoas com deficiência qualificada pela curatela em razão da impossibilidade de autogoverno serão interditadas.
Especificamente quanto à introdução do instituto da Tomada de Decisão Apoiada, procurou-se privilegiar a autonomia da pessoa portadora de deficiência, o que não ocorria na curatela, onde a figura do curador tinha poderes ilimitados, correndo em muitos casos a sua revelia.
A Tomada de decisão Apoiada busca estimular a capacidade de agir do portador de deficiência, podendo escolher as pessoas que o auxiliarão, se colocando numa posição intermediária entre os extremos, ou seja, as pessoas ditas normais nos aspectos físicos, sensoriais e psíquicos, e aquelas com deficiência qualificada pela curatela.
Enquanto a curatela, hoje dita extraordinária, se resume a proteção dos aspectos negociais e patrimoniais, a tomada de decisão apoiada não priva a pessoa com deficiência de sua capacidade de fato, levando em conta as questões patrimoniais e existenciais.
Dentro deste contexto, o novo instituto refletirá no Direito de Família e Sucessões ao olharmos o Estatuto da pessoa com deficiência como uma norma inclusiva, onde há o exercício das garantias constitucionais.
A Tomada de Decisão Apoiada é mais um instituto em nosso ordenamento de autorregulamentação. E, assim, pode ser utilizado como forma de as pessoas se auto determinarem e tomar resoluções em sua vida de acordo com sua conveniência.
Assim, a pessoa deficiente, legalmente capaz, pode, por exemplo, seguindo o procedimento adequado, definir seus tratamentos futuros, em caso de agravamento de condições (diretivas antecipadas de vontade).
Pode estabelecer quais critérios e limites do apoio que irá querer e até quando.
Com a tendência de uma vida mais longa, esse instituto poderá ser amplamente utilizado, ajudando o indivíduo a organizar a antecipação da gestão de seus negócios, ou de sua vida em si.
Como operadores de direito é dever informar às pessoas quais os instrumentos que disponíveis para que possam decidir o seu próprio futuro.
É uma mudança de modelo que há de ser buscada.
Em aspectos práticos, há entendimento de que no caso de uma pessoa já interditada e que teve o seu status alterado pela lei 16.146/05, ou seja de incapaz passou a ser plenamente capaz, há a possibilidade da conversão de interdição para tomada de decisão apoiada, desde que haja perícia a fim de apurar, de fato, se o beneficiário tem realmente condições de nomear apoiadores.
Ainda, a tomada de decisão apoiada não exclui a curatela. São institutos distintos. Hoje, o individuo nomeia apoiadores, porém, futuramente, pode ser que venha a precisar de curador pelo agravamento de sua capacidade, em decorrência da deficiência.
Neste caso, poderá, determinar no termo de decisão apoiada a respeito de tal possibilidade. Colocar, por exemplo, como termo final ao apoio o diagnostico de sua incapacidade, podendo já deixar um outro documento determinando a sua auto curatela, listando as pessoas que serão os curadores e suas funções, por exemplo (curatela compartilhada).
Conclusão
A Lei 16.145/05 trouxe um olhar mais apurado às pessoas com deficiência, onde seremos obrigado a mudar o nosso olhar perante o outro e não vincular a pessoa com deficiência à incapacidade, mas ao revés, disponibilizarmos e utilizarmos instrumentos de apoio para que possam praticar os atos da vida civil de maneira plena, em cumprimento ao princípio da isonomia e da dignidade da pessoa humana, trazendo reflexos em vários campos do direito, em especial no Direito de Família e Sucessões.

